Texto construido a partir da colaboração de Morgana Gertrudes Martins Krieger (Professora de Gestão do Desenvolvimento da Universidade Federal da Bahia - UFBA e doutora em Administração Pública e Governo pela FGV/EAESP). Para ver ou ouvir clique no vídeo acima!
Para apresentarmos uma definição de organizações da sociedade civil é importante salientarmos que existem, pelo menos, três formas de explicar (e, também, de analisar) este conceito.
Uma delas parte da própria existência empírica deste tipo de organização. Elas não pertencem nem ao setor governamental, isto é, não integram diretamente os órgãos da administração pública, e, também, não integram o campo das organizações que buscam obter lucratividade a partir da sua atuação. Estas organizações e o campo em que elas se inserem foram chamados de forma diferente ao longo dos anos.
Inicialmente, o termo organização não governamental, ou ONG, foi bastante utilizado. Esta utilização do termo se deu principalmente por influência da ONU, que, no artigo 71 da Carta das Nações Unidas, diz que, além de atuar com organismos internacionais e com entes estatais, esta pode consultar organizações não governamentais.
Na América Latina, o termo ONG passou a representar organizações que surgiram de movimentos sociais e das lutas contra ditaduras, em uma perspectiva mais politizada. Por exemplo, no Brasil a ABONG – Associação Brasileira de ONGs, reúne um grupo específico de organizações que trabalham na defesa e promoção dos direitos e bens comuns.
O campo dessas organizações também foi chamado de Terceiro Setor, termo que foi utilizado inicialmente para identificar as organizações sem fins lucrativos dos Estados Unidos, e representa um outro setor, que não o governamental e não o mercado.
E, de forma mais recente, estas organizações têm sido chamadas de “organizações da sociedade civil”. Para compreender melhor a existência e a atuação destas organizações, uma dica é acessar o Mapa das Organizações da Sociedade Civil desenvolvido pelo IPEA.
A segunda forma de olhar para este conceito é a partir de sua perspectiva jurídica. No Brasil, o marco legal mais recente é o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade, conhecido como MROSC. Esta lei, que busca constituir um novo regime jurídico para parcerias realizadas entre a administração pública e as organizações da sociedade civil (OSCs), também define uma classificação dessas organizações, que são, segundo a lei: 1) as entidades privadas sem fins lucrativos, que não distribuem lucros e que aplicam seus resultados financeiros integralmente no alcance dos seus propósitos; 2) alguns tipos de cooperativas, envolvendo por exemplo, as cooperativas sociais; 3) as organizações religiosas que se dediquem a projetos de interesse público que vão além do objetivo de professar sua fé.
Por fim, a última forma de examinar ou explicar as organizações da sociedade civil é a partir de sua compreensão acadêmica. Em diálogo com o campo, a academia também já chamou estas organizações prioritariamente de ONGs ou como parte do Terceiro Setor. Mas, especificamente sobre organizações da sociedade civil, o que se entende por “sociedade civil” tem bastante relevância e é historicamente disputado.
Por exemplo, o termo sociedade civil dentre os contratualistas – isto é, Hobbes, Locke e Rousseau – já explicitada acepções diferentes do que seriam as sociedades em seu estado de natureza, ou após a contratualização social. Para Marx, a sociedade civil era entendida como sinônimo de sociedade burguesa, representando o conjunto das relações econômicas constituintes da base material da sociedade. Logo, a construção do bem comum e da transformação social não poderiam ocorrer na sociedade civil.
Nas últimas décadas, o termo “sociedade civil” vem acoplado à perspectiva de democratização de estados totalitários, isto é, a sociedade civil seria composta por aqueles que almejam a democracia por aqueles que, por meio do seu processo de auto-organização voluntária, exercem a democracia cotidianamente. Esta perspectiva é elaborada principalmente por Cohen e Arato, dois autores estadunidenses de sociologia política, na década de 1990.
Em tempos mais recentes, vem emergindo um braço acadêmico preocupado com a sociedade “incivil” ou não-civil, que seriam as formas de organização – institucionalizadas ou não – voltadas a fins não democráticos e segregacionistas.
O conceito de organizações da sociedade civil para a academia é disputado, assim como suas práticas, e não há um conceito único que agregue toda a pluralidade de organizações que não fazem parte do Estado ou do Mercado, ou que ainda tenham características híbridas.
Quer saber mais? Leia:
ENAP. Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Disponível aqui.
SOUZA, Aline Gonçalves de; VIOTTO, Aline; DONNINI, Thiago (coord.). Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil: avanços e desafios. 1. ed. São Paulo, 2020. Disponível aqui.
ALVES, Mário Aquino. Terceiro setor: as origens do conceito. Disponível aqui.
ANDION, C.; SERVA, M. Por uma visão positiva da sociedade civil: uma análise histórica da sociedade civil organizada no Brasil. Cayapa. Revista Venezolana de Economía Social, v. 4, n. 7, p. 7–24, 2021. Disponível aqui.
LAVALLE, A. G. Crítica ao modelo da nova sociedade civil. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 47, p. 121–135, ago. 1999. Disponível aqui.
AVRITZER, L. Sociedade civil e Estado no Brasil: da autonomia à interdependência política. Opinião Pública, v. 18, n. 2, p. 383–398, nov. 2012. Disponível aqui.
KRIEGER, M. G. M.; ANDION, C. Legitimidade das organizações da sociedade civil: análise de conteúdo à luz da teoria da capacidade crítica. Revista de Administração Pública, v. 48, n. 1, p. 83 a 110, 3 fev. 2014. Disponível aqui. Organização das Nações Unidas (Nova York). Trabalhando com ECOSOC: Guia para ONGs como obter o status consultivo. 2012. Disponível aqui.
Portal OSCs. Disponível aqui.
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