Participação Social
- Observatório das Desigualdades
- 1 de ago. de 2023
- 4 min de leitura
Texto construido a partir da colaboração de Suylan de Almeida Midlej e Silva (professora do Departamento de GestĆ£o de PolĆticas PĆŗblicas da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e GestĆ£o de PolĆticas PĆŗblicas da Universidade de BrasĆlia-UnB e doutora em Sociologia pela UnB). Para ver ou ouvir clique no vĆdeo acima!
Para comeƧar, vamos apresentar uma definição do que Ć© participação social. Existem vĆ”rios conceitos de participação, mas aqui utilizamos o de Carole Pateman (1992). Em sentido amplo, ela define participação como um processo no qual duas ou mais partes influenciam-se reciprocamente na tomada de decisƵes (Pateman, 1992). Ela lembra de algo muito importante: āestar em posição de influenciar uma decisĆ£o nĆ£o Ć© o mesmo que estar em posição de (ter o poder para) determinar o resultado ou tomar essa decisĆ£oā (Pateman, 1992, p. 96). Isso significa que Ć© preciso participar com muita vontade de querer influenciar as decisƵes, sabendo que precisamos lidar com outros atores sociais que tambĆ©m estĆ£o interessados naquele determinado tema.
Pateman (1992) também ressalta que quanto mais os cidadãos e as cidadãs participam, mais elas se tornam capacitadas para isso. Ou seja, hÔ um carÔter educativo no ato de participar, tanto para os grupos organizados, como para a sociedade de forma geral. Da mesma forma, esse carÔter educativo alcança também os órgãos públicos envolvidos, diante da necessidade de negociações, diÔlogos e confrontos.
Esse tipo de participação vai alĆ©m da participação via voto eleitoral, que acontece em perĆodos especĆficos. Essa participação requer tomar parte de processos de decisĆ£o, com a intenção clara de influenciar seus resultados.
A participação cidadĆ£ nas polĆticas pĆŗblicas no Brasil comeƧou a acontecer de forma mais sistemĆ”tica e institucionalizada a partir da redemocratização do Estado, no final da dĆ©cada de 1980. Isso nĆ£o quer dizer que antes disso a sociedade brasileira nĆ£o tenha despertado para esse agir participativo. A participação sempre foi uma conquista social, fruto do amadurecimento da sociedade.
Durante o processo constituinte houve uma forte mobilização social que ajudou a construir a Constituição Federal de 1988, que passou a prever a participação cidadĆ£ na gestĆ£o de polĆticas pĆŗblicas, nos Ć¢mbitos federal, estadual e municipal. A sociedade clamava por participação direta nas decisƵes governamentais, reagindo Ć ditadura militar, que prevaleceu de 1964 a 1985. Essa grande mobilização da sociedade levou Ć institucionalização da participação social nas polĆticas pĆŗblicas.
O que significa isso? O que mudou depois da Constituição de 1988? Foram regulamentados diversos institutos de participação nas esferas federativas brasileiras. Isso inclui: UniĆ£o, estados e municĆpios, sendo reconhecidos novos papĆ©is Ć s organizaƧƵes da sociedade civil, que passaram a atuar em diversos mecanismos de participação fixados em normas constitucionais, a exemplo dos conselhos, comissƵes ou comitĆŖs participativos; audiĆŖncias pĆŗblicas; consultas pĆŗblicas, ouvidorias, referendum e plebiscito administrativo; organizaƧƵes sociais; e orƧamento participativo (Perez, 2009).
Atualmente, alĆ©m desses mecanismos de participação social, canais virtuais de todos os tipos, via internet ou telefone, vĆŖm sendo criados para emissĆ£o de opiniƵes, sugestƵes e crĆticas sobre a gestĆ£o de polĆticas pĆŗblicas em vĆ”rios lugares do paĆs, tendo sido observada constante participação da sociedade civil.
NĆ£o podemos subtrair a necessidade de que esses espaƧos sejam estruturas democratizadas. O que significa que os papĆ©is precisam estar bem definidos, com regras claras e limites para que todos participem de forma justa e igualitĆ”ria. Isso tem muita relação com o sistema polĆtico e com os modelos de gestĆ£o pĆŗblica.
Precisamos lembrar que participação social Ć© um pressuposto da democracia. Sem estarmos imersos em um sistema democrĆ”tico, e sem a prĆ”tica de uma gestĆ£o pĆŗblica aberta Ć participação da sociedade, pouco podemos fazer para participar concretamente das decisƵes polĆticas que afetam a população.
De 2003 a 2016 houve uma considerĆ”vel abertura da Administração PĆŗblica para a participação social na gestĆ£o das polĆticas pĆŗblicas. O que, contudo, estava longe ainda de representar uma relação Estado e sociedade ideal no que se refere aos processos decisórios.
Mas, desde o inĆcio de 2019, estamos vivenciando um presidencialismo explicitamente intolerante com a participação social. Nota-se um retrocesso no que se refere aos canais de participação. O principal exemplo foi o decreto nĀŗ 9.759, de 11 de abril de 2019 (Brasil, 2019), que extinguiu instituiƧƵes participativas existentes desde a dĆ©cada de 1990. Esse decreto representa a extinção de muitas dessas instituiƧƵes ou interferĆŖncia em suas dinĆ¢micas de trabalho.
Ć fato que a participação social nas polĆticas pĆŗblicas nĆ£o depende unicamente da abertura de mecanismos por parte do Estado, porĆ©m, o Estado Ć© um espaƧo pĆŗblico por excelĆŖncia para a elaboração e execução das polĆticas pĆŗblicas, com participação de atores sociais e estatais. Só assim, cidadĆ£os e cidadĆ£s poderĆ£o exercer o controle social.
O que se espera hoje Ć© que os modelos de gestĆ£o pĆŗblica continuem garantindo mais participação, mais decisĆ£o compartilhada e mais polĆticas pĆŗblicas de interesse da sociedade.
Quer saber mais? Leia:
Brasil (2019). DiĆ”rio Oficial da UniĆ£o, publicado em 11/04/2019. Edição: 70-A, Seção1āExtra, p.5. DisponĆvel aqui.
Pateman, C. (1992). Participação e teoria democrÔtica. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Perez, M.A. (2009). Administração Pública DemocrÔtica: institutos de participação popular na administração pública. Belo Horizonte: Fórum.