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  • Foto do escritorObservatório das Desigualdades

Ações Afirmativas



Texto construído a partir da colaboração de Renato Emerson Nascimento dos Santos (Professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IPPUR/UFRJ e doutor em Geografia pela Universidade Federal Fluminense - UFF. Para ver ou ouvir clique no vídeo acima!

As ações afirmativas são uma forma de construir políticas públicas, que vêm ganhando força no Brasil nos últimos 20 anos, por causa das lutas do movimento negro brasileiro, na sua busca pela construção de um projeto de nação que seja baseado na igualdade real e no conceito de democracia que seja substantiva e concreta.

O termo ações afirmativas surge na experiência estadunidense de atendimento às reivindicações do movimento negro dos Estados Unidos pelos direitos civis na década de 1860, mas o princípio das ações afirmativas e de correção de desigualdades e injustiças históricas, através de ações focalizadas, voltadas para grupos socialmente desfavorecidos, é anterior. A literatura reconhece o caso da Índia no processo de descolonização e independência da Inglaterra como a primeira ocorrência, sucedida por outros casos na Ásia e na África, em países com contexto de descolonização, até chegar aos Estados Unidos na década de 1960.

No Brasil, desde os anos 1980, na esteira do enfraquecimento da ditadura e da redemocratização, começaram a ser desenvolvidas as primeiras experiências, que ganharam mais força no século atual. Isso se deu principalmente após o processo de preparação para a “Conferência Mundial Contra o Racismo da ONU” em Durban, na África do Sul, em 2001, para definir ações afirmativas.

Neste contexto, adotou-se o conceito trazido pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, no seu livro “Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade”, em que ele diz que elas consistem em políticas públicas, e também inicativas privadas, voltadas à conscientização do princípio constitucional da igualdade material e a neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional, de compleição física, impostas ou sugeridas pelo Estado por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas.

As ações afirmativas visam combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fundo cultural e estrutural, enraizada na sociedade. Elas possuem cunho pedagógico e não raramente, caráter de exemplaridade. As ações afirmativas têm como meta também o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, enfocando nos atores sociais a utilidade da necessidade da observância dos princípios do pluralismo e da diversidade, nas mais diversas esferas do convívio humano.

A definição do Joaquim Barbosa é importante, pois traz três aspectos importantes com uma definição abrangente. Primeiro, ela define ou indica quem são os atores implementadores, qual é o escopo dessas políticas, que é o fato social gerador dessas políticas, o seu caráter múltiplo, os objetivos, enfim uma série de aspectos. Em segundo, essa definição discute o papel dos agentes competentes ao indicar o combate à neutralização dos efeitos, o cunho pedagógico, a exemplaridade e o engendramento de transformações. Em terceiro lugar, essa definição enquadra as ações afirmativas como uma crítica à construção da sociedade, as práticas manifestas ou veladas abertas ou sutis elementos culturais, o ordenamento jurídico, a dimensão educacional de formação humana em educação de valores, enfim uma série de aspectos que como uma definição ampla ela traz. Isso quer dizer que as ações afirmativas a partir daí buscam a igualdade como um resultado, e não como um pressuposto uma premissa sem lastro da realidade e a neutralização das cadeias de causas das desigualdades, como a discriminação as formas em colocações de visões de mundo que classificam e hierarquização os grupos dando base para essas discriminações.

Isso significa, portanto, operar com três focos. Primeiro foco nas práticas de discriminação, o funcionamento e atendimento desigual de instituições que é o chamado racismo institucional. O segundo foco nos efeitos, que são os resultados sociais das discriminações nos estratos sociais desiguais e o terceiro foco é nos fundamentos nas bases que constituem e dão lastro a essas práticas.

É possível agrupar as ações afirmativas dentro da experiência desenvolvida no Brasil, que é uma ampla experiência nesses últimos 20 anos, em cinco modalidades de políticas: 1) repressivas; 2) de valorização; 3) de combate direto à desigualdade; 4) de combate ao racismo institucional; 5) de ampliação de espaços de interlocução e representatividade política.

As políticas repressivas enquadram aquelas voltadas para acusação e prisão, ou seja, para criminalização das práticas de discriminação presumida ou manifesta, não apenas a criminalização através das leis (como a Lei Caó), mas também a criação de delegacias especializadas em crimes raciais, serviços de denúncia, como S.O.S racismo. Estas políticas vêm se deslocando do controle coativo, mais repressivo, para também agregar elementos de persuasão de agentes, com novas ações na esfera jurídica, como litigância e termo de ajustamento de conduta, que também possuem um papel educativo.

O segundo tipo é das políticas de valorização. São aquelas voltadas à ampliação do reconhecimento por reforço da identidade para construção de subjetividades. São políticas que buscam equilibrar a representação dos diferentes grupos que compõem a nossa nação. No campo da educação, são exemplos: a Lei 10.639/2003 (obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira); políticas de patrimônio histórico e cultural tombamentos (como o caso da Serra da Barriga onde era situado o Quilombo dos Palmares); a criação de museus, como Museu Afro Brasil e museus negros vêm sendo criados em diferentes lugares; a patrimônialização do Cais do Valongo no Rio de Janeiro, reconhecido pela Unesco como Patrimônio da Humanidade; a definição do dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra, que em diversos lugares é feriado. Pode enquadrar também como políticas de valorização as políticas de reconhecimento territorial de comunidades quilombolas, que resssignificam o passado negro, não apenas de quilombolas mas de toda a população negra do Brasil, assim como também políticas de mídia (ex: campanhas, prêmios, etc.), incluindo a presença negra em peças de marketing.

A terceira modalidade são as políticas de combate direto à desigualdade. São aquelas que têm uma incidência direta em impactos sociais, impactos esses estatisticamente mensuráveis, como as políticas de reserva de vagas em concursos e outros processos seletivos como vestibulares, o Enem etc. Inclui, ainda, a política de definição de cotas de participação, como as políticas voltadas para candidaturas partidárias, e, também, políticas de recrutamento ativo, em que empresas buscam os talentos onde eles estejam disponíveis, onde eles estejam existentes. Outro exemplo dessas políticas de combate à desigualdade são as políticas de fortalecimento de indivíduos do grupo desfavorecido em processos de disputa, como por exemplo cursos preparatórios para vestibular, cursos preparatórios para pós-graduações ou para concursos.

O quarto tipo de política são as de combate ao racismo institucional, que visam interferir no comportamento de instituições e, também, limitar a reprodução de estereótipos e comportamentos que afetam o acesso a oportunidades iguais dos indivíduos aos serviços que as instituições prestam. Coletar e difundir informação sobre o quesito cor dentro de instituições, promover diálogos e atividades junto aos seus quadros funcionais; essas são formas de fazer com que as instituições funcionem de maneira equânime

Finalmente, o quinto tipo é o das políticas de ampliação de espaços de interlocução e representatividade política. Elas incluem a criação de aparelhos institucionais voltados para a temática racial, com o objetivo de ampliar a participação da comunidade negra junto a setores do Estado em âmbitos federal, estadual, municipal ou também voltadas para a criação de órgãos de proposição, assessoramento, implementação e avaliação de ações afirmativas. São exemplos: a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, que teve, durante um tempo, o status de ministério; a criação do Conselho Nacional de Promoção de Igualdade Racial e do SNPIR, sendo que esse último é um conjunto articulado de órgãos nas esferas federal, estaduais e municipais, voltados para a promoção de igualdade racial, além de comissões assessoras também. Órgãos também na esfera municipal também possuem iniciativas semelhantes. No Rio de Janeiro, existe o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro. Em síntese, existe um amplo leque de políticas de ações afirmativas.


Quer saber mais? Leia:

CARVALHO, José Jorge (2005). O confinamento racial do mundo acadêmico. REVISTA USP, São Paulo, n.68, p. 88-103, dezembro/fevereiro 2005-2006.

GUIMARÃES, R. S. (2013). Afrocidadanização: Ações Afirmativas e trajetórias de vida no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Selo Negro.

LEHMANN, David (2018). The Prism of Race: The Politics and Ideology of Affirmative Action in Brazil. By.Ann Arbor: University of Michigan Press.

NASCIMENTO, Alexandre (2012), Do direito à universidade à universalização de direitos: O movimento dos cursos pré-vestbulares populares e as políticas de ação afirmativa. Rio de Janeiro: Litteris Editora. PEREIRA, Amauri, CRUZ, Eliane &

OLIVEIRA, Luiz Fernandes. (2016). Por uma formação docente intercultural e pluriétnica na UFRRJ. Laplage Em Revista, 2(3), p.57-69. SANTOS, Renato Emerson dos (2021). As cotas e a presença negra reeducam a universidade brasileira. In: Sánchez, Fernanda Et. al. (Orgs.). Escola em Transe: Escola de Arquitetura e Urbanismo nº3 - 1. ed. - Rio de Janeiro: Letra Capital.

SANTOS, Sales Augusto (2021). Comissões de Heteroidentificação Étnico-Racial: lócus de constrangimento ou de controle social de uma política pública?. In: O Social em Questão - Ano XXIV - nº 50 - Mai a Ago.

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